quinta-feira, agosto 16, 2012

Opinião do Internista

Diagnóstico e Cura da doença, Educação para a saúde




“Procuro no silêncio das noites,

Entre nuvens e estrelas, não encontro;

Dizem que não passa de uma ilusão,

Ilusão, utopia, sonho!

Devo-te o sorriso que vaidosamente,

Ostento na manhã do dia seguinte”…


 

A medicina foi definida, há mais de um século, como “arte” de diagnosticar e de tratar as doenças. No entanto, a definição correcta e actualizada seria “arte” de evitar, de diagnosticar e de curar as doenças.

O termo “evitar “merece a nossa atenção, pois, veio acrescentar dois conceitos considerados fundamentais para a medicina contemporânea: o conceito de educação para a saúde e o de prevenção da doença.

A educação, também denominada educação terapêutica, deve ser sobretudo da responsabilidade dos profissionais de saúde. É uma forma de promover a saúde através do envolvimento da população na gestão da sua saúde e de estimular a mesma a adoptar estilos de vida com qualidade e que sejam compatíveis com uma boa saúde.

A prevenção da doença, obviamente não é da exclusiva responsabilidade das autoridades de saúde, requer elaboração de um programa nacional de saúde que seja rigoroso e que contemple a criação de mecanismos que permitam a detecção precoce e, por esta via, o controlo eficaz e atempado dos chamados factores de risco. É uma atitude imprescindível e inteligente, sobretudo nos países subdesenvolvidos, na medida em que permite preservar a saúde e manter a qualidade de vida com pouco custo, ou seja, permite gerir melhor os poucos recursos que tais países normalmente conseguem disponibilizar para a saúde.

A grande “explosão das ciências” no século passado permitiu aos países “ricos” desenvolverem meios tecnológicos sofisticados e armas farmacológicas que permitem abordar, com relativa facilidade, o diagnóstico e a cura da maioria das doenças, actualmente conhecidas. No entanto, tais medidas, implicam custos financeiros elevados e, como tal, são ainda inacessíveis aos países do terceiro mundo. Por outro lado, chegou-se à conclusão que as complicações das doenças cardiovasculares, principal responsável pela morbilidade e mortalidade nos países desenvolvidos, assim como, a elevada mortalidade que resulta das doenças infecto-contagiosas nos países do terceiro mundo, podem ser combatidas e evitadas com menos custos, desde que, as suas abordagens sejam adequadas e feitas em tempo oportuno. Daí que, na minha opinião, a medicina do futuro, obrigatoriamente mais racional, terá que privilegiar a educação e a prevenção.

Não é possível promover uma boa campanha de educação para a saúde, nem tão pouco prevenir patologias futuras, sem se ter um conhecimento antropológico prévio da sociedade em causa. É fundamental o conhecimento humano, conhecer os seus hábitos culturais e religiosos e é importante que se tenha em consideração o ritmo de desenvolvimento económico e cultural do país.

Hipócrates, o pai da medicina, estabeleceu: “Não há doenças, mas sim, doentes”. Daqui se conclui que também é importante ensinar ao doente a conservar a sua saúde e não apenas ajuda-lo a combater a doença. É dever de um profissional de saúde promover campanhas de esclarecimento junto das populações mas, cabe às autoridades governamentais a criação de condições que permitam encurtar a distância entre os cuidados primários de saúde e a população, sobretudo aquela que se sente mais desfavorecida. Um bom médico é aquele que faz da sua consulta um diálogo e não, como muitas vezes acontece, um monólogo. Tenta entender a ansiedade do seu doente, e está atento às vulnerabilidades que possam estar subjacentes à sua condição de doente. É inaceitável aquela imagem do médico: homem, geralmente de bata branca, que houve pouco, não fala nada e prescreve sempre. O doente tem o direito de saber qual é e o porquê da sua doença, conhecer a decisão terapêutica que foi tomada e participar na planificação de medidas futuras para o seu bem-estar.

Um outro aspecto que considero importante referir neste trabalho é a evolução da medicina e da própria doença ao longo dos tempos. Na verdade, o conceito e o padrão de doença sofreram alterações ao longo da história, acompanhando sempre a evolução humana. O homem evoluiu de acordo com as suas necessidades. Aprendeu, desde cedo, a lutar contra factores adversos como forma de garantir a sua sobrevivência e bem-estar. Assim, transformou-se progressivamente num ser activo sempre preocupado em mudar o meio em função das suas necessidades e interesses. Estabeleceu-se uma interacção homem/meio, a partir da qual se deu a evolução da inteligência e, consequentemente, o aparecimento da tecnologia que vem evoluindo até aos nossos dias.

Se, por um lado, o desenvolvimento tecnológico permitiu o avanço da medicina, fazendo com que patologias que no passado dizimaram populações inteiras, hoje sejam facilmente controladas e, algumas até erradicadas, o desenvolvimento tecnológico e o agrupamento do homem em sociedades trouxeram, uma nova forma de vida e, com ela, novas formas de doença.

Como resultado da sua fixação, o homem deixou de ser um ser passivo e começou a transformar e a utilizar a natureza a seu favor. Mas, muito cedo, descobriria a sua impotência perante as chamadas forças da natureza. Surgiria assim, um sentimento de incerteza perante o futuro e, consequentemente, a ansiedade e a angústia, forças criadoras de perturbações emocionais que, quando exageradas, se traduzem em doenças orgânicas graves. Hoje sabe-se que as chamadas doenças psicossomáticas podem ser o fruto do próprio desenvolvimento humano.

A descoberta do antibiótico foi, sem dúvida alguma, uma das maiores vitórias da medicina. As doenças contagiosas deixaram de ser ameaça para os países modernizados (excepção feita ao HIV/SIDA). No entanto, a concentração progressiva das populações nos grandes centros urbanos, as alterações nos regimes profissionais com recurso a máquinas, o aparecimento de novas profissões que obrigam a uma exposição constante a produtos nocivos, as alterações nos hábitos alimentares e no estilo de vida, a falta de cultura e de tempo para a prática de actividade física, foram responsáveis pelo aparecimento de doenças como a diabetes mellitus, a hipertensão arterial e as doenças cardiovasculares. As doenças oncológicas assumem, igualmente, responsabilidades importantes na morbilidade e mortalidade dos países ocidentais, estando relacionadas, sobretudo, com certos hábitos adquiridos (como o tabagismo), a exposição profissional, alimentar e ambiental e com a obesidade.

Nos países subdesenvolvidos as pessoas mantêm um contacto mais próximo com a natureza, praticam estilo de vida e dieta saudáveis. Como resultado, as doenças cardiovasculares são menos frequentes. Parece, pois, que o homem, afastando-se da natureza e servindo-se da sua inteligência, paradoxalmente perde a saúde.

Em relação a realidade Cabo-verdiana é minha convicção que, apesar do país pertencer ao terceiro mundo, a rápida transformação que se verifica na sociedade, fruto do desenvolvimento económico e social, associado a características culturais e estilo de vida próximos dos verificados nos países ocidentais conduzirá, a médio prazo, a um padrão de doença semelhante ao que hoje se verifica nos países da europa ocidental e américa do norte. É fundamental e urgente iniciar campanhas de combate às doenças infecto-contagiosas, sobretudo HIV/SIDA mas, é igualmente importante criar, de acordo com as indicações da OMS, condições para a detecção precoce e o controlo eficaz dos factores de risco cardiovasculares, nomeadamente a diabetes mellitus, a hipertensão arterial, o tabagismo, a obesidade, etc.

Numa altura em que estamos a reorganizar (para não dizer criar) o nosso sistema de saúde, não devemos esquecer a experiência dos estados unidos da américa e dos países da europa ocidental que, quanto a mim, não souberam apostar atempadamente na chamada prevenção primária e, hoje enfrentam um grande dilema, vendo grande parte do seu orçamento de estado desviado no combate à mortalidade e morbilidade devidas às doenças do foro cardiovascular.

A nós profissionais de saúde cabe o dever de acompanhar as transformações da sociedade, promover campanhas de educação para a saúde junto das populações e propor mecanismos para detecção precoce e controlo eficaz dos factores de risco. Cabe-nos ainda, o dever de alertar as autoridades governamentais para a necessidade de, atempadamente, definirem estratégias e adoptarem medidas que promovam a saúde. Só assim, poderemos garantir saúde e qualidade de vida à população, tendo em conta as limitações económicas do país. Trata-se de uma tarefa difícil que requer sensibilidade e vontade política, qualificação, motivação e ambição por parte dos profissionais de saúde e, sobretudo, sensibilização da população em geral.

Na minha maneira de ver, a “ignorância” em relação ao conceito de saúde vai ser o maior inimigo a combater. A solução consiste, na instrução do indivíduo para que, por si próprio, possa praticar uma vida saudável.

É dentro desta filosofia, e com o espírito de quem está a cumprir um dever inerente à sua formação profissional que, nos próximos números deste jornal, vou aparecer para, humildemente, debater temas que os leitores venham a considerar importantes.

Obs. Trabalho publicado num jornal cabo-verdiano em setembro de 2003 e revisto em março de 2006.



Frederico Sanches, Assistente Hospitalar

Especialista em Medicina Interna e Oncologia Médica

fems@netcabo.pt


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